segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Dias de Vingança - Preâmbulo

por David Chilton

O preâmbulo em Deuteronômio (comp Ap 1:1-5) começa assim: " Estas são as palavras..."1 Logo o texto identifica o orador com Moisés, a quem, como mediador do Pacto, se tem "ordenado" entregar e explicar a "lei" de Deus a Israel. 
"Portanto, Javé é o Senhor que outorga o pacto e Moisés é o representante e o mediador do Pacto. Deste modo, esta seção se relaciona ao preâmbulo dos tratados extra-bíblicos, que também identificava o orador, o qual, por meio do pacto, declarava seu senhorio e reclamava a obediência do vassalo"2
No Apocalipse, o preâmbulo começa com uma expressão similar: "Revelação de Jesus Cristo, a qual Deus lhe deu, para mostrar aos seus servos as coisas que brevemente devem acontecer; e pelo seu anjo as enviou, e as notificou a João seu servo;O qual testificou da palavra de Deus, e do testemunho de Jesus Cristo, e de tudo o que tem visto."(Ap 1:1-2).

O propósito do preâmbulo do pacto é, pois, proclamar o senhorio do Grande Rei, declarando sua transcendência e imanência, e deixando bem claro desde o começo que sua vontade tem de ser obedecida pelos seus vassalos, seus servos. Os tratados bíblicos estabelecem a transcendência e imanência de Deus referindo-se a uma ou mais de três atividades: Criação, Redenção e Revelação. São as duas últimas que se sublinham especialmente no preâmbulo de Apocalipse. Já temos notado a ênfase na revelação divina na frase inicial, e isto é reforçado nos versículos seguintes. As igrejas tinham de "ouvir as palavras desta profecia, e guardar as coisas nelas escritas", e o Senhor acrescenta um benção especial sobre os que obedecem (Ap 1:3); João se refere novamente a si mesmo como aquele que tem testificado de "a palavra de Deus e o testemunho de Jesus Cristo" (Ap 1:9). Além disso, fala da revelação que veio a Ele em termos dos modelos correntes e familiares da revelação do pacto através da história bíblica. "Eu fui arrebatado no Espírito no dia do Senhor, e ouvi detrás de mim uma grande voz, como de trombeta, que dizia: E o que vês, escreve-o num livro..." (Ap 1:10-11)

A redenção também é enfatizada nesta passagem: "E da parte de Jesus Cristo, que é a fiel testemunha, o primogênito dentre os mortos e o príncipe dos reis da terra. Àquele que nos amou, e em seu sangue nos lavou dos nossos pecados, E nos fez reis e sacerdotes para Deus e seu Pai; a ele glória e poder para todo o sempre. Amém." (Ap 1:5-6). Além disso, se declara especificamente que Cristo é o Redentor, o Filho do Homem, que "vem com as nuvens" na nuvem gloriosa de sua ascensão ao Pai e do Juízo vindouro sobre Israel para receber o império, a glória e um Reino; que será visto "pelos que o transpassaram", e sobre quem "se lamentarão "todas as tribos da terra" (Ap 1:7; comp Dn. 7:13-14; Zc 12:10-14; Mat 24:30; Jn 19:37; Ef 1:20-22). A visão de Cristo que João teve desenvolve a idéia de sua obra redentora: Está vestido como um Sumo Sacerdote (Ap 1:13), revelado como a Glória de Deus encarnada (Ap 1:14-15), o Criador e Sustentador do mundo, cuja poderosa Palavra sai para conquistar as nações (Ap 1:16); que morreu e ressuscitou dentre os mortos, e que vive sempre (Ap 1:17-18)!

Notas:
1. O título de Deuteronômio em Hebraico é simplesmente: As palavras.
2. Meredith G. Kline, Treaty of the Great King (Grand Rapids: William B. Eerdmans Publishing Co., 1963), p. 30.

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Os judeus que não são judeus...


por David Chilton 
 E ao anjo da igreja em Esmirna, escreve: Isto diz o primeiro e o último, que foi morto, e reviveu: Conheço as tuas obras, e tribulação, e pobreza (mas tu és rico), e a blasfêmia dos que se dizem judeus, e não o são, mas são a sinagoga de Satanás. Nada temas das coisas que hás de padecer. Eis que o diabo lançará alguns de vós na prisão, para que sejais tentados; e tereis uma tribulação de dez dias. Sê fiel até à morte, e dar-te-ei a coroa da vida.
Apocalipse 2:8-10
 ...Não era fácil ser cristão em Esmirna. Certamente não foram livres da tribulação por um "arrebatamento"; e isto frequentemente significava pobreza também, por causa de sua posição em favor da fé. Talvez estavam sujeitos ao confisco de suas propriedades (comp. Hb 10:34) ou ao vandalismo; é também provável que fossem objetos de boicotes financeiros por se recusarem a ficar lado a lado com os pagãos adoradores do estado ou dos judeus apóstatas. (comp. Ap 13:16,17). Mas, em sua pobreza, eram ricos no sentido mais básico e último; considerados pelo mundo "como pobres, mas enriquecendo a muitos; como não tendo nada, mas possuindo tudo" (2 Co 6:10). "Eu sei tudo o que estás suportando", lhes assegura o Senhor; Ele se identifica com eles em seus sofrimentos, até o ponto de que "em toda angústia deles, Ele foi angustiado" (Is 63:9; cf. vs. 2 e 3). Como observou o teólogo puritano John Owen, todas nossas perseguições " são Suas em primeiro lugar, e nossas somente por participação" (com. Cl 1:24).9

E ele sabe tudo sobre a blasfêmia de seus perseguidores também - os que dizem ser judeus e não são. Aqui o Senhor é explícito sobre a identidade da oposição que a igreja primitiva enfrentava: Os que de outra maneira eram conhecidos como nicolaítas, os seguidores dos falsos apóstolos Balaão e Jezabel, são aqui definidos como os que afirmam ser judeus, filhos de Abraão, mas que na realidade são filhos do diabo. Estes são os israelitas que tem rejeitado a Cristo, e tem rejeitado assim, ao Deus de Abraão, Isaque e Jacó. Há um mito popular que sustenta que os judeus não cristãos são verdadeiros crentes no Deus do Antigo Testamento, e que só precisam agregar o Novo Testamento a sua religião, que no demais é adequada. Mas o mesmo Novo Testamento é inflexível neste ponto: os judeus não cristãos não são crentes em Deus, e sim apóstatas, quebradores do pacto. Como Jesus disse: Se fôsseis filhos de Abraão, faríeis as obras de Abraão...Vós fazeis as obras de vosso pai...Se Deus fosse o vosso Pai, certamente me amaríeis...Vós tendes por pai ao diabo, e quereis satisfazer os desejos de vosso pai. Ele foi homicida desde o princípio, e não se firmou na verdade, porque não há verdade nele. Quando ele profere mentira, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso, e pai da mentira. (Jo 8:39-44). A verdade é que não há tal coisa como um judeu "ortodoxo", a menos que ele seja cristão; porque se os judeus cressem no Antigo Testamento, creriam em Cristo. Se um homem não crê em Cristo, também não crê em Moisés (Jo 5.46)

Paulo escreveu: Porque não é judeu o que o é exteriormente, nem é circuncisão a que o é exteriormente na carne. Mas é judeu o que o é no interior, e circuncisão a que é do coração, no espírito, não na letra; cujo louvor não provém dos homens, mas de Deus. (Rm 2:28-29). Por esta razão, Paulo foi bastante audaz para usar esta linguagem ao advertir às igrejas contra as seduções dos judeus apóstatas: "Guardai-vos dos cães, guardai-vos dos maus obreiros, guardai-vos da circuncisão; Porque a circuncisão somos nós, que servimos a Deus em espírito, e nos gloriamos em Jesus Cristo, e não confiamos na carne." (Fp 3:2-3). A palavra traduzida como circuncisão significa cortar ao redor; a falsa circuncisão é literalmente concisão, que significa cortar em pedaços. A circuncisão dos judeus, o sinal do pacto no qual confiavam, era na realidade um símbolo de sua própria mutilação e destruição espiritual, o sinal de que, através de sua própria rebelião, haviam herdado as maldições do pacto. O corte do prepúcio sempre foi uma marca de condenação. Para os justos, a aplicação ritual da ira de Deus significava que eles não sofreriam a terrível realidade; para os desobedientes, entretanto, era a antecipação das coisas por virem, um sinal da completa destruição que viria.

Então, "Quem é o verdadeiro judeu? Quem pertence ao verdadeiro Israel? Segundo o claro ensinamento do Novo Testamento, a pessoa (sem importar sua herança étnica) que se vestiu de Jesus Cristo é a herdeira das promessas feitas a Abraão, e possui as bençãos do Pacto. (Rm 4:11-24; Gl 3:7-9, 26-29). Mas, disse nosso Senhor, uma congregação de apóstatas e perseguidores não é nada mais do que uma sinagoga de Satanás. Satanás significa acusador, e a história dos cristãos primitivos abunda com exemplos do falso testemunho satânico dos judeus contra a igreja cristã (At 6:9-15; 13:10; 14:2-5; 17:5-8; 18:6,12-13; 19:9; 21:27-36; 24:1-9; 25:2-3,7). Este ponto é sublinhado pela afirmação de que alguns deles seriam lançados na prisão pelo diabo (que significa acusador, caluniador).

Porque Aquele que conhece os sofrimentos deles é o "Primeiro e o Último", Aquele que controla todas as coisas, Ele pode proporcionar consolo autorizado: "Não temas o que estás a ponto de sofrer". Alguns cristãos de Esmirna seriam trancafiados na prisão por instigação dos Judeus; mas Cristo lhes assegura que isto também é parte do grande conflito cósmico entre Cristo e Satanás. As perseguições infligidas pelos judeus aliados ao império romano têm sua origem no diabo, em sua hostilidade contra os seguidores de Jesus Cristo, em seus frenéticos intentos de conservar os fragmentos do seu reino feito em pedaços. Desesperadamente, está livrando uma batalha perdida de antemão contra as multidões, que marcham implacavelmente, de uma nação de reis e sacerdotes predestinados à vitória.

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

John Bunyan e o Consolo das Escrituras.

Ontem a noite, um pouco antes de dormir, abri aleatoriamente o livro "Graça Abundante ao Principal dos Pecadores"*, uma autobiografia de John Bunyan**. O assunto das páginas 148 e 149 era "A graça sustentadora de Deus". Fiquei preso aquela duas páginas e não pude pregar o olho enquanto não as li. Impressionou-me a maneira como o querido irmão Bunyan se apropriou das verdades bíblicas para receber consolo e saber como se comportar como um verdadeiro peregrino diante dos sofrimentos inerentes à jornada cristã:

"Antes de ser preso, percebi o que estava para acontecer e tive especialmente duas considerações em meu coração. A primeira dizia respeito a como enfrentaria a morte, se esta fosse minha sorte aqui. Colossenses 1.11 me foi um grande auxílio para orar a Deus e ser fortalecido "com todo o poder, segundo a força da sua glória, em toda a perseverança e longanimidade; com alegria. Durante todo um ano, antes de ser preso, mal podia orar sem este versículo ou esta súplica graciosa, incutindo-a na mente e convencendo-me de que, se nunca passara por um longo período de sofrimento, devia ser paciente, especialmente se quisesse suportá-lo com alegria.
Quanto a segunda consideração, este outro versículo foi um grande auxílio para mim: "Contudo já em nós mesmo, tivemos a sentença de morte, para que não confiemos em nós, e sim no Deus que ressuscita os mortos" (2 Co 1.9). Por meio desse versículo, percebi que, se algum dia, eu sofresse de maneira certa, devia antes sentenciar à morte tudo o que fosse reputado, apropriadamente, de valor nesta vida, considerando a mim mesmo, minha esposa, meus filhos, minha saúde, minha alegria e tudo mais, como mortos para mim, e a mim mesmo, como morto para elas. Depois, devia viver dependente de Deus, que é invisível. Como Paulo disse em outra passagem, o meio de não desfalecer é "não atentar nas coisas que se vêem; porque as que se vêem são temporais, e as que não se vêem são eternas!" Foi assim que ponderei comigo: "se eu me preparar somente para a prisão, o chicote virá inesperadamente, e também, o tronco. Se eu me preparar somente para estes, não estarei para ser banido. Além disso, se eu concluir que o exílio é o pior, eu me surpreenderei se a morte vier". Assim vejo que o melhor meio de passar por sofrimentos é confiar em Deus por meio de Cristo no que diz respeito ao mundo vindouro. E, em relação a este mundo, a melhor maneira de passar por sofrimentos é considerar a sepultura como minha casa; é fazer minha cama na escuridão - é dizer à corrupção "tu és meu pai", e aos vermes "vós sois minha mãe e minha irmã"; é tornar essas coisas familiares a mim."

* Excelente livro publicado pela Editora Fiel. Confira aqui.

** John Bunyan (28 de Novembro de 1628 – 31 de Agosto de 1688, Londres), escritor e pregador cristão nascido em Harrowden, Elstow, Inglaterra, foi o autor de The Pilgrim's Progress (O Peregrino), provavelmente a alegoria cristã mais conhecida em todos os tempos.